Motorista x Uber – Relação de emprego ou mera intermediação entre pessoas?

No último dia 13 (segunda-feira), o juiz titular da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, Márcio Toledo Gonçalves, surpreendeu a todos com uma decisão judicial inédita no Brasil, que declarou a existência do vínculo de emprego entre um motorista e a empresa Uber.

Na decisão, o magistrado reconheceu e declarou que todos os requisitos do vínculo de emprego encontram-se presentes na relação havida entre o autor da ação e a empresa, determinando a anotação da carteira de trabalho, fixando a remuneração em 80% do faturamento das viagens, data e admissão e saída. Foi reconhecida também a dispensa sem justa causa, sendo devidas verbas rescisórias, como aviso prévio indenizado, férias, 13ª, FGTS com 40% de todo o contrato e multa.

A decisão ainda chamou a atenção ao lançar no mundo jurídico um polêmico e inovador conceito de modelo de organização de trabalho: “A uberização”. De acordo com o julgador, o fenômeno por ele próprio intitulado ”….muito embora ainda se encontre em nichos específicos do mercado, tem potencial de se generalizar para todos os setores da atividade econômica”.

Dos fundamentos empregados na decisão, verifica-se que a “uberização” trata-se de uma nova modalidade de trabalho, na qual as relações destoam em muito do formato tradicional em que empregados e empregadores estão acostumados, surgindo um novo tipo de controle exercido sobre o trabalhador, uma nova forma de avaliação, além de uma nova dinâmica de remuneração.

Nesse sentido o magistrado asseverou que: “O mundo mudou e o Direito do Trabalho, como ramo jurídico concretizador dos direitos sociais e individuais fundamentais do ser humano (art. 7º da Constituição da República), precisará perceber toda a dimensão de sua aplicabilidade e atualidade. Na era da eficiência cibernética, é preciso se atentar que o poder empregatício também se manifesta por programação em sistemas, algoritmos e redes.”

Contudo, é bem verdade que há muito a ciência do Direito é incapaz de acompanhar e regular todas as relações que decorrem dos avanços desenfreados provenientes da tecnologia. A antiga e ultrapassada CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo, foi criada na década de 1940, sendo o diploma legal que ainda regula as relações de emprego urbano como regra geral.

Registrando-se, desde já, o devido respeito a entendimentos contrários, pode-se afirmar que, tecnicamente, a decisão proferida conjugou de maneira precisa o que cada elemento fático dessa nova modalidade de trabalho deve representar para o direito, sendo notável a versatilidade do magistrado, que respeitando o princípio da ampla defesa e do contraditório, proferiu uma decisão moderna e compatível com as novas relações laborais e que certamente despertará enorme controvérsia sobre o tema.

Vale dizer que, embora a decisão tenha sido favorável para o autor da ação, a parte vencida poderá recorrer, estando o judiciário dividido quanto a questão, uma vez que a própria 37ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, no mês de janeiro desse ano, proferiu decisão contrária, negando a existência do vínculo empregatício a outro motorista, fundamentando a inexistência do elemento subordinação na prestação dos serviços.

De toda forma, é importante que o Poder Judiciário se pronuncie a respeito da questão, uniformizando seu entendimento, para que não se reproduza em cada processo um resultado diferente, despertando nos jurisdicionados a falsa sensação de que a sorte ou o azar é que pesarão sobre o desfecho de cada caso.

 

Por André Velloso (VR Advogados)

uber – artigo publicado (2)

Texto originalmente postados por Jornal O Tempo

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